PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
Santa Marta, segunda-feira, 19 de Agosto, às 9.50
O Papa Francisco marcou encontro para as 10.00 na Casa de Santa Marta.
Eu, no entanto, herdei do meu pai a necessidade de chegar sempre mais cedo.
As pessoas que me acolhem instalam-me numa pequena sala. A espera dura
pouco, e, depois de uns breves minutos, acompanham-me ao elevador. Nesses
dois minutos tive tempo de recordar como em Lisboa, numa reunião de diretores
de algumas revistas da Companhia de Jesus, surgiu a proposta de publicar
conjuntamente uma entrevista ao Papa. Tinha conversado com os outros
diretores ensaiando algumas perguntas que exprimissem os interesses de
todos. Saio do elevador e vejo o Papa já à porta, à minha espera. Na verdade,
tive a agradável impressão de não ter atravessado portas.
Entro no seu quarto e o Papa convida-me a sentar numa poltrona. Ele senta-se
numa cadeira mais alta e rígida, por causa dos seus problemas de coluna. O
ambiente é simples, austero. O espaço de trabalho da escrivaninha é pequeno.
Toca-me a essencialidade não apenas dos móveis, mas também das coisas.
Vêem-se poucos livros, poucos papéis, poucos objectos. Entre estes, um
ícone de São Francisco, uma estátua de Nossa Senhora de Luján (padroeira
da Argentina), um crucifixo e uma estátua de São José adormecido, muito
semelhante àquela que tinha visto no seu quarto de reitor e superior provincial
no Colégio Máximo de San Miguel. A espiritualidade de Bergoglio não é feita
de «energias harmonizadas», como ele lhe chamaria, mas de rostos humanos:
Cristo, São Francisco, São José, Maria.O Papa acolhe-me com o mesmo sorriso
que já deu várias vezes a volta ao mundo e que abre os corações.
Começamos a falar de tantas coisas, mas sobretudo da sua viagem ao Brasil.
O Papa considera-a uma verdadeira graça. Pergunto-lhe se descansou.
Ele diz-me que sim, que está bem, mas, sobretudo,
que a Jornada Mundial da Juventude foi para ele um «mistério». Diz-me que
nunca foi habituado a falar para tanta gente: «Consigo olhar para as pessoas,
uma de cada vez, e entrar em contacto de modo pessoal com quem tenho na
minha frente. Não estou habituado às massas». Digo-lhe que é verdade e que
se vê, e que isto impressiona toda a gente. Vê-se que quando está no meio
das pessoas, os seus olhos, de facto, pousam sobre cada um. Depois as
câmaras televisivas difundem as imagens e todos podem vê-lo, mas assim ele
pode sentir-se livre para ficar em contacto directo, pelo menos visual, com
quem tem diante de si.Parece-me contente com isso, por poder ser aquilo que
é, por não ter de alterar o seu modo habitual de comunicar com as pessoas,
mesmo quando tem diante de si milhões de pessoas, como aconteceu na
praia de Copacabana.
Antes de eu ligar o gravador, falamos de outras coisas. Comentando uma
minha publicação, disse-me que os seus dois pensadores franceses
contemporâneos prediletos são Henri de Lubac e Michel de Certeau. Digo-lhe
ainda algumas coisas mais pessoais. Também ele me fala de si e particularmente
da sua eleição pontifícia. Diz-me que quando começou a dar-se conta de que
corria o risco de ser eleito, na quarta-feira, dia 13 de Março, à hora do almoço,
sentiu descer sobre ele uma profunda e inexplicável paz e consolação
interior, juntamente com uma escuridão total e uma obscuridade profunda sobre tudo o quemais. E estes sentimentos acompanharam-no até à eleição.
Na verdade, teria continuado a falar assim familiarmente ainda por muito tempo,
mas pego nas folhas com algumas perguntas que tinha anotado e ligo o
gravador. Antes de mais, agradeço-lhe em nome de todos os diretores das
revistas dos jesuítas que publicarão esta entrevista.
PARTE 1
ENTREVISTA EXCLUSIVA DO PAPA FRANCISCO ÀS REVISTAS DOS JESUÍTAS
PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
O Papa Francisco recebeu os jesuítas e colaboradores que trabalham em La
Civiltá Cattolica a 14 de Junho de 2013.
1- Quem é Jorge Mario Bergoglio?
O Papa fixa-me em silêncio.
Pergunto se é uma pergunta lícita para lhe colocar…
Ele faz sinal de aceitar a pergunta e diz-me:
«Não sei qual possa ser a definição mais correta… Eu sou um pecador.
Esta é a melhor definição. E não é um modo de dizer, um gênero literário.
Sou um pecador».
«Sim, posso talvez dizer que sou um pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade
que sou também um pouco ingênuo Sim, mas a síntese melhor, aquela que me
vem mais de dentro e que sinto mais verdadeira, é exatamente esta: “Sou um
pecador para quem o Senhor olhou”». E repete: «Sou alguém que é olhado
pelo Senhor. A minha divisa, Miserando ataque elegendo senti-a sempre como
muito verdadeira para mim».
A divisa do Papa Francisco é tirada das Homilias de São Beda, o Venerável, o
qual, comentando o episódio evangélico da vocação de São Mateus, escreve:
«Viu Jesus um publicano e assim como o olhou com um sentimento de amor,
escolheu-o e disse-lhe: “Segue-me”».
E acrescenta: «O gerúndio latino miserando parece-me intraduzível, seja em
italiano, seja em espanhol. Gosto de o traduzir com um outro gerúndio que
não existe: misericordiando».
ENTREVISTA EXCLUSIVA DO PAPA FRANCISCO ÀS REVISTAS DOS JESUÍTAS
PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
O Papa Francisco recebeu os jesuítas e colaboradores que trabalham em La
Civiltá Cattolica a 14 de Junho de 2013.
1- Quem é Jorge Mario Bergoglio?
O Papa fixa-me em silêncio.
Pergunto se é uma pergunta lícita para lhe colocar…
Ele faz sinal de aceitar a pergunta e diz-me:
«Não sei qual possa ser a definição mais correta… Eu sou um pecador.
Esta é a melhor definição. E não é um modo de dizer, um gênero literário.
Sou um pecador».
«Sim, posso talvez dizer que sou um pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade
que sou também um pouco ingênuo Sim, mas a síntese melhor, aquela que me
vem mais de dentro e que sinto mais verdadeira, é exatamente esta: “Sou um
pecador para quem o Senhor olhou”». E repete: «Sou alguém que é olhado
pelo Senhor. A minha divisa, Miserando ataque elegendo senti-a sempre como
muito verdadeira para mim».
A divisa do Papa Francisco é tirada das Homilias de São Beda, o Venerável, o
qual, comentando o episódio evangélico da vocação de São Mateus, escreve:
«Viu Jesus um publicano e assim como o olhou com um sentimento de amor,
escolheu-o e disse-lhe: “Segue-me”».
E acrescenta: «O gerúndio latino miserando parece-me intraduzível, seja em
italiano, seja em espanhol. Gosto de o traduzir com um outro gerúndio que
não existe: misericordiando».
ENTREVISTA EXCLUSIVA DO PAPA FRANCISCO ÀS REVISTAS DOS JESUÍTAS
PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
PARTE II
O Papa Francisco recebeu os jesuítas e colaboradores que trabalham em La
Civiltá Cattolica a 14 de Junho de 2013.
1- Quem é Jorge Mario Bergoglio?
«Eu não conheço Roma. Conheço poucas coisas. Entre estas, Santa Maria Maior:
ia sempre lá». Rio e digo-lhe: «Todos o compreendemos muito bem, Santo
Padre!». «Sim — prossegue o Papa – conheço Santa Maria Maior, São Pedro…
mas vindo a Roma sempre vivi na Via della Scrofa. Dali visitava frequentemente
a igreja de São Luís dos Franceses e ali ia contemplar o quadro da vocação de
São Mateus, de Caravaggio». Começo a intuir o que é que o Papa quer dizer-me.
«Aquele dedo de Jesus assim… dirigido a Mateus. Assim sou eu. Assim me
sinto. Como Mateus». E aqui o Papa torna-se mais decidido, como se tivesse
encontrado a imagem de si próprio de que estava à procura: «É o gesto de
Mateus que me toca: agarra-se ao seu dinheiro, como que a dizer: “Não, não
eu! Não, este dinheiro é meu!”. Este sou eu: um pecador para o qual o Senhor
voltou o seu olhar. E isto é aquilo que disse quando me perguntaram se aceitava
a minha eleição para Pontífice. Então sussurra: Peccator sum, sed super
misericordia et infinita patientia Domini nostri Jesu Christi, confusus et in
spiritu penitentiae, accepto». (Sou pecador, mas confiado na misericórdia e
paciência infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo, confundido e em espírito
de penitência, aceito).
ENTREVISTA EXCLUSIVA DO PAPA FRANCISCO ÀS REVISTAS DOS JESUÍTAS
PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
PARTE I
2- PORQUE SE FEZ JESUÍTA?
2- PORQUE SE FEZ JESUÍTA?
«Santo Padre, o que foi que o fez escolher entrar na Companhia de
Jesus?
O que é que o impressionou na ordem dos Jesuítas?»
«Eu queria algo mais.
«Eu queria algo mais.
Mas não sabia o quê.
Tinha entrado no seminário.
Gostava dos dominicanos e tinha amigos dominicanos.
Mas depois escolhi a Companhia, que conhecia bem, porque o
seminário estava entregue aos jesuítas.
Da Companhia impressionaram-me três coisas: o espírito missionário,
a comunidade e a disciplina.
Isto é curioso, porque eu sou um indisciplinado nato, nato, nato.
Mas a sua disciplina, o modo de organizar o tempo,
impressionaram-me muito».
«E depois uma coisa para mim verdadeiramente fundamental é a
«E depois uma coisa para mim verdadeiramente fundamental é a
comunidade. Procurava sempre uma comunidade.
Eu não me via padre sozinho: preciso de uma comunidade.
ENTREVISTA EXCLUSIVA DO PAPA FRANCISCO ÀS REVISTAS DOS JESUÍTAS
PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
PADRE ANTONIO SPADARO, SJ (JESUSÍTA ITALIANO, DIRECTOR DA REVISTA
LA CIVILITÁ CATTOLICA)
PARTE II
É mesmo isso que explica o fato de eu estar aqui em Santa Marta:
quando fui eleito, ocupava, por sorteio, o quarto 207.
Este onde estamos agora era um quarto de hóspedes.
Escolhi ficar aqui, no quarto 201, porque quando tomei posse do
apartamento pontifício, dentro de mim senti claramente um “não”.
O apartamento pontifício no Palácio Apostólico não é luxuoso.
É antigo, arranjado com bom gosto e grande, não luxuoso.
Mas acaba por ser como um funil ao contrário.
É grande e espaçoso, mas a entrada é verdadeiramente estreita.
Entra-se a conta-gotas e eu não, sem gente, não posso viver.
Preciso de viver a minha vida junto dos outros».
Enquanto o Papa fala de missão e de comunidade, vêm-me à
mente todos os documentos da Companhia de Jesus onde se fala
de «comunidade para a missão» e reencontro-os nas suas palavras.
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